51. Há verbos de sentido completo por si mesmos, de tal modo que de nada mais precisam para exprimir a ação do indivíduo; p. ex.: O homem nasce, vive, morre. As aves dormem. O barulho cessou. O Sol brilha. O Esperanto triunfou. As crianças brincam e gritam, choram e riem; etc. Tais verbos chamam-se verbos intransitivos. Outros há, porém, que exigem alguma coisa adicional, um complemento, que lhes complete o sentido, sendo esse complemento uma palavra, ou grupo de palavras, que exprime o indivíduo sobre o qual se exerce diretamente a ação de alguém ou de alguma coisa. Assim: Escrevi uma carta. O Esperanto tem gramática simples. Façamos o que pudermos. O pai chamou o filho. Não me conheces. Ele vende, compra e troca roupas usadas; etc: Esses verbos chamam-se transitivos. O indivíduo que exerce uma ação expressa pelo verbo, seja este intransitivo, seja transitivo, é o agente ou sujeito da oração; aquele sobre o qual diretamente incide a ação do sujeito é o complemento direto, podendo também denominar-se objeto direto.
A ordem natural das palavras duma oração é a direta, isto é: sujeito, verbo (também chamado “predicado”) e complemento. Assim, em “O pai chamou o filho”, entende-se, pela regra geral, que o sujeito, isto é, aquele que exerceu a ação de chamar, foi o “pai”, e o complemento, isto é, aquele que recebeu a ação, foi o “filho”. Para melhor identificação, perguntamos: quem chamou? — o pai; logo, “o pai” é o sujeito; o pai chamou quem? — o filho; “o filho” é o complemento direto. Contudo, nem sempre se usa esta ordem direta, e então, só o sentido, no contexto, pode decidir qual o “agente” e qual o “paciente”. Assim, em: “O cão mordeu o gato”, o natural é admitir que o “agressor” tenha sido o cão e que a “vítima” fora o gato; nada impede, no entanto, admitir-se que haja ocorrido o contrário. Neste outro: “Onda de ódios atravessa o mundo”, pode entender-se haver qualquer dos dois sentidos. E assim por diante.
52. Em Esperanto, porém, esta dubiedade não ocorre, porque existem dois casos gramaticais. Os substantivos, adjetivos e pronomes, quando se apresentem com suas formas “normais”, no singular ou no plural, como “patro, libroj, bela, utilaj, ŝi” etc., diz-se que estão no caso nominativo; é neste caso que são sujeitos de orações tendo o verbo num modo finito (indicativo, condicional ou imperativo). O complemento direto, para se distinguir do sujeito, vai para o caso acusativo, indicado, em Esperanto, pela letra n acrescentada ao nominativo, seja no singular, seja no plural; por exemplo: patroN, librojN, belaN, utilajN. Assim: O pai comprou belos e úteis livros — La patro aĉetis belajn kaj utilajn librojn.
OBSERVAÇÃO — Onde quer que se deva usar o caso acusativo em Esperanto, este caso é sempre assinalado pelo n acrescentado ao nominativo.
53. A dubiedade a que nos referimos no parágrafo anterior provém de que o nominativo e o acusativo dos substantivos e adjetivos portugueses são iguais. Não ocorre ela, porém, nos pronomes pessoais, que têm formas distintas. Assim, são nominativos: eu, tu, ele, ela, si, nós, vós, eles, elas, também chamados “pronomes retos”; são acusativos: me, te, o, a, se, nos, vos, os, as, estes últimos chamados também “pronomes oblíquos”. Como vemos, estas formas em acusativo são irregulares, mas em Esperanto elas obedecem à mesma regra geral, isto é, ajuntando-se o n: min, cin, lin, ŝin, ĝin, nin, vin, ilin; o pronome reflexivo si, que referimos no § 39, tem seu acusativo sin, como sempre acrescentando-se o n.
NOTA — Como sempre, é necessário pronunciar estes pronomes em acusativo fazendo ouvir-se bem o n final e sem nasalar o i: mí-nn, lí-nn etc.
54. Com a existência destes dois casos, podemos, sem receio de ambiguidade, usar a ordem direta ou a inversa; p. ex.: La patro vokis la filon e: La filon vokis la patro dizem ambas a mesma coisa, isto é, que foi o pai quem chamou e foi o filho que foi chamado: o acusativo filon é o complemento direto, enquanto o nominativo patro é o sujeito. Outras inversões são possíveis, sempre se mantendo o mesmo sentido, p. ex.: Vokis la patro la filon; vokis la filon la patro; la patro la filon vokis; la filon la patro vokis, etc.
O mesmo se dá com os pronomes pessoais, cuja colocação é inteiramente livre. Assim, a frase: “Eu a vi”, ou “vi-a”, ou “vi a ela”, pode-se dizer: Mi ŝin vidis; ou mi vidis ŝin; ou ŝin mi vidis; ou ŝin vidis mi; ou vidis mi ŝin; ou vidis ŝin mi. (V. § 288.)
55. “Quem” diz-se kiu, no singular, sendo, então, nominativo; o acusativo, formado regularmente, é kiun. Assim: Quem chamou? — Kiu vokis? Quem me chamou? — Kiu vokis min? — Quem chamou o menino? — Kiu vokis la knabon? — Quem chamará as crianças? — Kiu vokos la infanojn? Compara-se, agora: Quem te chamou? — Kiu vin vokis? com: A quem tu chamaste? — Kiun vi vokis?
56. Se o estudante achar dificuldade no uso do acusativo, poderá substituir (mentalmente) os substantivos por pronomes pessoais; o substantivo substituído por um pronome pessoal reto (isto é, “eu, tu, ele, ...”), ficará no nominativo; o substituído por um pronome pessoal oblíquo (isto é, “me, te, o, ...”) deve ir para o acusativo. Ex.: “O caçador matou a pantera”. Se aquele que matou foi o caçador, esta substituição dará: “Ele (= o caçador) a matou”; em Esperanto: “Li (= la ĉasisto) mortigis ĝiN”; logo, “La ĉasisto mortigis la panteroN”. Se a vítima foi o caçador, teremos: “Ela (= a pantera) o matou”, isto é: “Ĝi (= la pantero) lin mortigis”, donde: “La pantero mortigis la ĉasistoN”, ou, para conservar a ordem das palavras, mas sem qualquer dubiedade: “La ĉasiston mortigis la pantero”. Vê-se, portanto, que onde recaia a ação, aí se porá o n do acusativo.
Outro exemplo: Ĝojo anstataŭis malĝojoN — A alegria substituiu a tristeza. ĜojoN anstataŭis malĝojo — A tristeza substituiu a alegria. Como se vê, o “substituído” tem o n. Em Português, para evitar a anfibologia, frequentemente antepomos a preposição a ao complemento, p. ex.: “A alegria substituiu à tristeza”, e “A tristeza substituiu à alegria”.
57. Certas expressões vulgares são orações incompletas ou, como se diz, “elípticas”, onde não aparecem todos os termos. Assim: “Bom dia!” se completa; “Desejo-lhe bom dia!”. “Agradecido!” é “Fico-lhe agradecido (por este obséquio)!”, etc. Se essas expressões representam complementos diretos do verbo “oculto”, irão para o acusativo em Esperanto; ex.: BonaN tagoN! — Bom dia! BonaN noktoN, sinjorino! — Boa noite, (minha) senhora! KoraN salutoN! — Cordiais saudações!, isto é, exprimo-lhe (ou: aceite) minhas cordiais saudações. “Agradecido!” (ou “Agradecida!”) diz-se: DankoN!, isto é, “agradecimento”, palavra que é o complemento direto do verbo na oração: “manifesto-lhe meu agradecimento” ou “receba meu agradecimento” etc. Também se diz: Mi dankas ou Mi dankas viN, isto é, “agradeço”, ou “agradeço-lhe”.
58. Vejamos a diferença entre as duas frases seguintes: Mi trovis tiun ĉi vinon bonAN e Mi trovis tiun ĉi vinon bonA. Na primeira verificamos que o adjetivo “bonan” está em acusativo, concordando com o substantivo “vinon”; na segunda, já esse adjetivo não concorda com o substantivo, estando no nominativo, enquanto o substantivo está no acusativo. Ambas elas significam: “Achei este vinho bom”, mas o sentido, assim, em Português, pode mudar, conforme se interprete a frase de um dos seguintes modos. 1º: se “achei” equivale a “encontrei”, entende-se que eu encontrei um vinho bom (ou um bom vinho); então, o adjetivo indica uma qualidade inerente ao vinho, isto é, o vinho é bom e eu o encontrei: o adjetivo acompanhará o substantivo no acusativo. 2º: se “achei” equivale a “julguei” (p. ex.: provei-o e julguei-o bom), há, então, simples apreciação, que pode até ser falsa, para outros o vinho pode ser ruim; neste caso, o adjetivo é um predicativo, pondo-se no nominativo. Para evitar a dubiedade em Português, podemos dizer, na primeira hipótese, “Achei este bom vinho”, e na segunda, “Achei bom este vinho”. Em Esperanto, como se vê, não há margem de dúvida, por se poder jogar com dois casos bem distintos, um dos quais se empregará de modo conveniente e adequado.
Quando o adjetivo é predicativo pode-se desdobrar a oração em duas, a segunda das quais se inicia por uma conjunção, por exemplo, ke (= que) e contém o verbo esti (= ser), em um dos seus tempos e modos. Assim, em vez de: Mi trovis tiun ĉi vinon bona, podemos dizer: Mi trovis, ke tiu ĉi vino estas bona, isto é: “Achei que este vinho é bom”. Se isto for possível, o adjetivo é predicativo e se põe no nominativo.
Outros exemplos: Oni faris lin ridinda — Fizeram-no ridículo, equivale a: oni faris, ke li estu ridinda.
Mi vidis la lumon ruĝan e Mi vidis la lumon ruĝa: a primeira significa: “Vi a luz (que era, realmente) vermelha”; a segunda: “Vi a luz (que era, porém, de outra cor) como se fosse vermelha”. Esta segunda, em Esperanto, seria: Mi vidis la lumon, kvazaŭ (= como se) ĝi estus ruĝa. Isto acontece com os daltônicos, que veem o verde como vermelho, e vice-versa.
Note-se, para maior facilidade, que, se o adjetivo exprime, de fato, uma qualidade própria (isto é, se é atributivo), pode em Esperanto, como em Português, preceder o substantivo. Assim: vinon bonan é o mesmo que bonan vinon; lumon ruĝan é ruĝan lumon. Se, portanto, se pode fazer esta inversão, o adjetivo há de concordar com o substantivo, indo, naturalmente, para o acusativo, caso do substantivo.
59. Observe-se também a diferença entre as frases: Mi elektis lin KIEL prezidantO e Mi elektis lin KIEL prezidantoN. A primeira significa: Mi, kiel prezidanto, elektis lin — Eu, como presidente, o elegi; a segunda: Mi elektis lin kiel oni elektas prezidanton — Eu o elegi como se elege presidente.
Em suma: o caso gramatical do nome regido por kiel é o mesmo do substantivo, ou pronome, ao qual esse nome se refere. Assim, no 1º exemplo, prezidantO se refere a mi, estando ambos em nominativo; no 2º, prezidantoN está em acusativo porque se refere a lin.
60. Nos exemplos do § 58 vemos predicativo com os verbos “achar” e “ver”, os quais fazem parte dos chamados “verbos estimativos”, i.e., aqueles que designam uma apreciação, à qual já nos referimos. Outros verbos estimativos são, p. ex.: crer, julgar, considerar, imaginar, supor etc. P. ex.: Não o creias ingênuo — Ne kredu lin naivA. Considero-te meu amigo — Mi konsideras vin miA amikO.
Com outros verbos, denominados “apelativos”, como: chamar, apelidar e semelhantes, o mesmo se dá. P. ex.: Não me chames príncipe, mas amigo — Ne nomu min reĝidO, sed amikO. Alcunharam-no de “Catão” — Oni moknomis lin “KatonO”.
Igualmente com verbos “factitivos”: fazer, tornar, nomear, eleger, proclamar etc.: O ódio faz (= torna) os homens cruéis — La malamo faras la homojn kruelAJ. Fizemo-lo nosso patrono — Ni faris lin niA patronO. Nomeei-o meu secretário — Mi nomis lin miA sekretariO. O povo queria proclamar Washington rei — La popolo volis proklami Vaŝingtonon reĝO.
61. Em todos os exemplos aqui apresentados, os verbos são transitivos, tendo seu complemento direto, em acusativo, ao qual se refere um nome (substantivo ou adjetivo), que é o predicativo, sempre em nominativo. Predicativo possuem, outrossim, verbos intransitivos, chamados “verbos de estado”, tais como: estar, parecer, ficar, permanecer, continuar, sentir-se, nascer, viver, morrer etc. Ex.: Se eu estivesse bom (de saúde), seria feliz — Se mi estus sanA, mi estus feliĉa. (O verbo “ser”, i.e., esti, é verbo “de ligação” e tem predicativo.) Isso parece uma simples fantasia — Tio ŝajnas simplA fantaziO. Ela permaneceu fiel — Ŝi restis fidelA. Sinto-me doente — Mi sentas min malsanA. Nasceu, viveu e morreu pobre — Li naskiĝis, vivis kaj mortis malriĉA.
Akuzativo — acusativo.
Ambaŭ — ambos, ambas.
Artikolo — artigo.
Ĉar — porque, pois que.
Demandi — perguntar.
Deziri — desejar.
Difina — definido.
Ekzisti — existir.
Firma — firme.
Kial — por que (interrogativo).
Kiu — que; quem.
Kontenta pri — contente com (a respeito de).
Kuko — bolo.
Ludi — brincar, jogar.
Multe — muito.
Nedifina — indefinido.
Nobla — nobre.
Nombro — número.
Plaĉi — agradar.
Plenumi — cumprir.
Portugala — português.
Pro — por (causa, troca).
Pura — puro, limpo.
Respondi — responder.
Sen — sem.
Ses — 6.
Tiu — esse, aquele.
Viziti — visitar.
Mia fratino Maria venis hodiaŭ viziti nin; kun ŝi venis ŝia filino Helena, malgranda, bela knabino. Mi donis al ŝi du kukojn kaj demandis: “Ĉu ci manĝos ilin ambaŭ?”. La knabino respondis: “Jes, onklino, mi manĝos ilin ambaŭ”. Ŝia patrino diris: “Ne estas bone manĝi multe”. Kaj Helena respondis: “Du kukoj ne estas multe por mi; estus multe, se estus kvin aŭ ses kukoj; sed du estas malmulte”.
Jen tri belaj katoj; ĉu ili plaĉas al ci, filino? — La malgrandaj plaĉas al mi, sed la granda ne plaĉas. — Kial ĝi ne plaĉas al ci? — Ĉar ĝi ne volas ludi kun mi, kiam mi volas ludi kun ĝi. — Kaj ĉu la malgrandaj ludas kun ci? — Jes, ili ludas kun mi, kaj al mi plaĉas ankaŭ rigardi, kiel ili ludas unu kun la alia.
Ĉu via tasko estas facila, Jozefo? — Ne, sinjorino, ĝi estas malfacila; sed mi volas plenumi ĝin, ĉar, se mi ne plenumos ĝin, mia patrino kaj mia avino ne estos kontentaj pri mi.
La litero n signas la akuzativon en Esperanto. La difina artikolo estas “la” por ambaŭ nombroj. La nedifina artikolo de la portugala lingvo (um, uma) ne ekzistas en Esperanto.
Ne ekzistas sur la tero
pura bono sen malbono:
tial estas la sufero
de plezuro la aldono.
Granda estas tiu viro,
kiu nobla en deziro,
firma estas en laboro,
kaj ne vendas sin pro oro.
F. V. L.
Kiu venis hodiaŭ viziti nin? Kiu venis kun via fratino? Kion donis la onklino al la malgranda knabino? Ĉu la knabino manĝis la du kukojn? Kion diris al ŝi ŝia patrino? Kion respondis Helena? Ĉu la infano volis ludi kun la katoj? Ĉu la malgrandaj katoj ludas unu kun la alia? Ĉu la tasko de Jozefo estis facila? Ĉu Jozefo volas plenumi sian taskon? Se li plenumos sian taskon, kiu estos kontenta pri li? Kion signas en Esperanto la finiĝo n? Ĉu ekzistas en Esperanto nedifina artikolo? Ĉu ekzistas sur la tero pura bono, sen malbono? De kio estas aldono la sufero? Ĉu nobla viro vendas sin pro oro?
OBSERVAÇÃO — O parêntese “(ac.)” após um verbo quer dizer que esse verbo pede complemento em acusativo.
Arminho — Ermeno.
Assemelhar-se a — Simili (ac.).
Bigodes — Lipharoj.
Cauda — Vosto.
Depois de — Post.
De volta — Returne.
Elisabete — Elizabeta.
Encantador — Ĉarma.
Espetados — Rigidaj.
Fazenda — Bieno.
Filho — Infano.
Gostar de — Ami.
Julgar-se — Sin opinii.
Lembrar-se — Rememori (ac.).
Logo — Tuj.
Partir — Foriri.
Passar — Pasigi.
Passarinho — Birdo.
Paxá — Paŝao.
Pelo — Haroj.
Peludo — Denshara.
Resolver — Decidi.
Ter — Havi.
Triste — Malgaja.
Depois do Natal veio o Ano Novo. A nossa fazenda, para falar a verdade, não era triste, mas resolvemos passar três dias com o tio Pedro, na cidade. A tia Elisabete, esposa do tio Pedro, já não era moça, mas uma velha não se poderia chamá-la. Tinha ela um gato branco, e logo nos lembramos do Cérbero, o cão do Dr. Paulo. Paxá era seu nome; seu pelo assemelhava-se a(o) arminho, e, com uma longa cauda peluda e bigodes espetados, ele se julgava o senhor da casa... A tia gostava dele como a gente ama seu filho; mas nós olhávamos o Paxá como um gato... Depois dos três encantadores dias, partimos de volta à nossa querida fazenda; a cidade achamos bonita, mas — “o passarinho ama o seu ninho”...